Já sei mais um bocadinho mas continuo indecisa...

domingo, julho 16, 2006

Elogio do Amor

(...)O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.


Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.


A paixão que devia ser desmedida é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões , farto de conveniências de serviço.


Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas, já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor,a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".


Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso.

Odeio os novos casalinhos. Por onde que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. o amor é um estado de quem se sente. o amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. é sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder.

Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Por Miguel Esteves Cardoso

2 comentários:

Anónimo disse...

Chica!!

Vais-me desculpar mas andava a passear pelos blogs do pessoal (como vês nada tenho para fazer) quando vi este “teu” texto. Se não te importas não posso deixar de comentar!

Acho sinceramente que o Sr Miguel estava num dia mau! Não acho muito boa ideia querermos que o mundo seja como nós o pensamos, ou seja, acho muito bem louvarmos o “amor puro” mas não podemos querer que todas as pessoas se comportem da mesma maneira! Daí que eu não perceba frases como: “ (…) Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. (…)”. Como ele diz “amor é amor” e cada um vive-o segundo a sua maneira. Acredito que haja conveniência em algumas relações mas não se pode dizer que “já ninguém se apaixona de verdade”! Mais afirmações que eu não percebo: “amar sem razão”?! Existe sempre pelo menos uma razão (e a mais importante)! Normalmente é a pessoa amada! Outra: “Odeio os novos casalinhos. Por onde que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores.”; normalmente costumo ver flores e abraços mas de facto facada não!!

Mas, quanto a mim, a pior parte ainda está para vir: porque é que ele diz como se não houvesse amanhã “o amor é uma coisa, a vida é outra”? Sinceramente eu não consigo dissociar uma coisa da outra; estão as duas intimamente ligadas!! Por isso quando ele diz “o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.” Sinceramente não merece comentário.

Bom é sempre possível que eu não tenha percebido bem o texto; este calor inibe-me qualquer actividade sináptica ;)

Espero não te ter aborrecido

Beijos internacionais
Tiago

kice disse...

Tiago:
É um prazer ver os meus posts comentados:)

Agora o texto (para mim):
Amor é amor. Nem + nem - ;)
E amor é excesso, não conhece limites.Todos somos capazes de amar e sempre seremos. Por isso também não me parece que já ninguém se apaixone de verdade como diz o Sr. Miguel (e depois há q distinguir amor de paixão...). Mas tb n me parece que ele acredite sinceramente nisso.O que pode acontecer é a gente acomodar-se à tranquilidade à serenidade de uma relação entre duas pessoas que se entendem bem e achar que isso basta.E isto acontece.Mal.
E esta coisa do "amor fácil, de conveniência, só porque dá jeito, porque sai barato" não acho que seja de hoje, dos novos casalinhos. Apesar de eu ver isso frequentemente na rua. Raro é ver Amor.
Amar sem razão é amar porque não somos capazes de não o fazer. É + forte que nós, domina-nos e não nos importamos de ser dominados. Não se ama para se ser feliz e nem para fazer outra pessoa feliz, já agora. Ama-se porque sim.Isso da felicidade sabe bem mas não tem a ver com o amor.

"O Amor é uma coisa,a vida é outra".Sim. A vida é um milagre e vale porque nos dá a oportunidade de amar. Mas também por outras coisas. "O amor é mais bonito que a vida, a vida que se lixe" ou a vida que se lixe se não há amor ou ainda a vida que se lixe para quem não a ama. Ou seja vida sem amor acontece e é uma pena. Eu amo a vida acima de tudo.

Olha, "não sei" isto sou só eu a falar e quem sou eu?
O texto é um excesso.
É um verdadeiro elogio do amor. Mas é também uma pedrada no charco para o pseudo-amor.